Mariliense com 250 kg vive drama da espera por cirurgia bariátrica

Com 250 quilos ele sofre com a obesidade mórbida, tem imensa dificuldade de locomoção e até mesmo para tomar banho precisa de ajuda da mulher.


 


Ricardo Fernandes com os filhos na casa de tábua em que vive; espera há oito anos pela bariátrica via SUS (Foto: Leonardo Moreno)
 

O mariliense Ricardo Fernandes Carreiro, de 42 anos, vive um drama cada vez mais comum entre os brasileiros. Com 250 quilos ele sofre com a obesidade mórbida, tem imensa dificuldade de locomoção e até mesmo para tomar banho precisa de ajuda da mulher.

“Vivo em cima da cama, não consigo emprego com carteira assinada há cinco anos, estou passando necessidade dentro de casa. Se ando dois minutos minhas pernas doem muito. Dependo de ambulância ou caridade dos amigos para sair de casa”, conta Ricardo.

Há oito anos ele está na fila de espera para uma cirurgia bariátrica, a famosa redução de estômago. Desde então diz já ter engordado quase 100 quilos. “Dieta não adianta comigo, já tentei de tudo. Pobre tem que comer o que tem na mesa”.

A estimativa é de que até 60 mil pessoas na região de Marília se enquadrem no perfil de obesidade grau três, acima do Índice de Massa Corpórea (IMC) 40. Só em Marília podem ser mais de 10 mil pessoas. Ricardo tem um IMC de quase 90.

 


“Pobre tem que comer o que tem na mesa”, diz paciente que não viu resultado em dietas, que diz serem caras (Foto: Leonardo Moreno)
 

Nem o Estado, nem o município responderam qual o tamanho da fila de espera para o procedimento via Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas se calcula que entre 3% e 5% dos 1,2 milhão de habitantes do Departamento Regional de Saúde de Marília (DRS-9) se enquadre na situação de obesidade mórbida.

A conta que ajuda a ter noção do tamanho do problema é do especialista Paulo Grippa, responsável pelo setor de bariátrica do Hospital Beneficente Unimar (HBU).

Ele explica que não existe um levantamento específico sobre o tema para o município, mas tira a média por sua experiência no ramo e dados nacionais. O médico tem no currículo centenas de procedimentos realizados e ele mesmo passou pela bariátrica.

A obesidade pode estar atrelada a algumas das principais causas de mortes em Marília.

Matéria publicada pelo Marília Notícia em março mostra que 30,88% das causas de óbitos na cidade foram por doenças do aparelho circulatório.

Algumas dessas patologias são as chamadas hipertensivas (relacionadas a pressão alta), isquêmicas e outras do coração, das artérias e veias. Os dados são do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).

As principais causas de mortes na cidade têm conexão direta com hábitos sedentários, sobrepeso e obesidade. Também existem os casos hormonais, onde problemas metabólicos muitas vezes fazem com que dietas e tratamentos clínicos não tenham resultado.

Paulo Grippa explica que diversos tipos de câncer – outra das principais causas de óbito na cidade – também têm influência do excesso de peso.

Ricardo é um exemplo de como a obesidade mórbida afeta a saúde da população. Ele tem pressão alta, situação de pré-diabetes, dores nas articulações e acha que a perda de 50% de sua visão está relacionada com seu peso.

O paciente que há oito anos espera para fazer a bariátrica pelo SUS representa um caso crítico em um quadro geral preocupante de verdadeira epidemia.

Desde o mês passado, no entanto, foi acesa uma luz no fim do túnel para esse grave problema ignorado pelas políticas públicas dos últimos anos. O HBU começou a realizar a cirurgia bariátrica por videolaparoscopia.

Mas atenção: não significa que basta bater na porta do hospital, vestir touca e roupas de paciente, deitar na maca e ir para a sala de cirurgia.

Existe todo um procedimento que precisa ser estritamente seguido e a porta de entrada são as redes municipais de saúde. Na maior parte das cidades da regional Marília, pelas Unidades Básicas de Saúde (leia mais abaixo).

 


HBU passou a fazer bariátrica pelo SUS em agosto (Foto: Arquivo)
 

HBU

Em agosto o HBU passou a ser o único hospital referenciado pelo SUS a, de fato, realizar cirurgias bariátricas para toda a região abrangida pela DRS Marília. Já foram oito até o momento.

Há sete anos as reduções de estômago praticamente não são realizadas pelo sistema de saúde pública de Marília, apesar do credenciamento do Hospital das Clínicas para tal. Pacientes em estados críticos eram levados para Curitiba ou Piracicaba.

Entre 2011 e o ano passado foram realizados apenas oito procedimentos desse tipo na cidade via SUS.

Em 2013 e 2014 não foi feita nenhuma cirurgia bariátrica na rede pública. Nos últimos 10 anos foram apenas 66. Os dados são do DataSUS.

Todos os demais casos de redução de estômago em Marília foram realizados via plano de saúde ou com pagamento pelo próprio paciente.

Com o início das cirurgias via SUS no HBU, nos próximos seis meses a expectativa é de que sejam feitos quase duas vezes mais procedimentos via SUS do que foram feitos nos últimos dez anos.

Daqui em diante, pretende-se realizar 20 cirurgias bariátricas por videolaparoscopia por mês. Entre elas, cinco serão destinadas para Marília e 15 para as demais cidades da região.

A iniciativa do hospital filantrópico é fundamental, já que o SUS paga cerca de R$ 6 mil pelo procedimento de alta complexidade e sobram para o HBU outros R$ 5 mil por procedimento.

A despesa descoberta é de aproximadamente R$ 100 mil por mês, mas os responsáveis pelo setor de bariátrica acreditam que podem ser conquistados recursos via Ministério da Saúde e emendas parlamentares. Para isso é preciso articulação e apoio dos políticos da cidade.

 


Dados das cirurgias em Marília (Foto: Reprodução)

 

O caminho

Foi Paulo Grippa que organizou o funcionamento do departamento de cirurgia bariátrica do HBU, que segue os tramites preconizados por normativas do Ministério da Saúde.

Para que sejam realizados os procedimentos é fundamental articulação entre município, Estado e União, além do hospital. Ao paciente é exigido que se percorra um caminho com certas etapas.

“Cada esfera tem um papel. O Ministério determina as portarias e libera o recurso do SUS. O Estado é responsável por gerenciar a fila. A fila e as consultas são todas do Estado, via DRS. O município, por exemplo, não consegue agendar a cirurgia imediatamente”, conta Grippa.

Mas é com a gestão municipal que se começa o tratamento que vai dar origem à triagem daqueles que passarão pela bariátrica.

“Dentro da UBS ou da Secretaria da cidade ele tem que ter uma estrutura, com equipe que trate a obesidade clinicamente. Ele vai ter um clínico, um endócrino, um fisioterapeuta, um psicólogo, um educador físico, um nutricionista”, detalha o especialista.

“Seja para paciente grau 1 ou 2 de obesidade, sobrepeso ou obesidade mórbida”, completa o médico sobre quais grupos devem ser atendidos pelas unidades de saúde municipais.

Só com a frustração desses procedimentos se recomenda a intervenção cirúrgica. Além disso, é necessário se constar um IMC entre 35 e 40 e comorbidade – ou seja, a coexistência de duas ou mais doenças, como hipertensão, diabete, dislipidemia, entre outras.

“Ainda assim a demanda é muito grande e é preciso fazer uma triagem dos casos mais graves. Temos muito trabalho pela frente. Mas, repito, não basta o paciente chegar aqui no HBU querendo operar via SUS. Quem gerencia a fila é o Estado e as portarias precisam ser cumpridas. Só existe um meio de se chegar na cirurgia: pela rede básica de saúde”, frisa.

 


Ricardo Fernandes vive drama por conta da obesidade (Foto: Leonardo Moreno)

 

A cirurgia

O especialista Paulo Grippa relata que os equipamentos e materiais utilizados na videolaparoscopia do HBU são de “primeiro mundo”. O grande diferencial é a utilização de vídeo e pinças que dispensam incisões externas.

“Isso demanda tecnologia. Preciso de uma TV de 27 polegadas Full HD, preciso de uma câmera HD, luz potente, se não, não consigo enxergar lá dentro”, detalha.

Em outros termos, não é preciso “abrir o paciente”. “Depois de dois dias e uma dose de antibiótico já é possível dar alta médica”, ilustra Grippa.

O nível das tecnologias, técnicas e produtos é o mesmo daqueles aplicados em hospitais como Albert Einstein e Sírio Libanês, de acordo com o responsável pelas reduções de estômago no HBU.

Ele esclarece que cirurgia bariátrica é qualquer procedimento que faça esse tipo de intervenção no estômago. Em Marília são feitos dois tipos, a gastrectomia vertical (sleeve) e o bypass gástrico.

“Quando escolho uma cirurgia ou outra? A depender se eu quero um efeito de saciedade maior, mexo só no estômago, ou um efeito incretínico maior eu faço outro. Quando o paciente tem problemas metabólicos eu mexo no intestino, costuma ser melhor”.

Para conseguir alcançar a meta de 20 cirurgias via SUS por mês Grippa organizou junto com outras especialidades uma espécie de “força-tarefa” permanente.

Mesmo depois de todas as consultas nas redes básicas, no pré-operatório o paciente precisa visitar novamente os especialistas, entre eles o anestesista e outros médicos.

“Isso demorava meses, pois são várias consultas. Hoje temos 10 salas no ambulatório onde fazemos todo esse acolhimento, atendemos os que já fizeram, coletamos dados para pesquisa toda sexta-feira. Faz tudo no mesmo lugar. Eletrocardiograma, endoscopia, exames diversos. O paciente chega 7h e faz tudo na mesma manhã. Cardiologista dá o laudo, anestesista faz avaliação. Agiliza muito”, diz Grippa.

 


Obesidade afeta vida de muitos marilienses (Foto: Leonardo Moreno)

 

Estado e município

A reportagem procurou as assessorias de imprensa do município e do Estado para comentarem sobre a fila de espera para cirurgia bariátrica em Marília e região. Também foi questionado o caso específico de Ricardo, o mariliense que abre esta reportagem.

 

Nota do Estado:

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo esclarece que, no momento, o paciente Ricardo Fernandes Carreiro está sob os cuidados da rede municipal de saúde. As unidades de origem são responsáveis pela avaliação e encaminhamento de cada caso para tratamento e posterior procedimento cirúrgico, se necessário. Sugerimos que o município seja contatado com relação ao caso.

Os 62 municípios da região de Marília são atendidos de acordo com Plano Regional de Sobrepeso/Obesidade, e o serviço de referência é o hospital da Associação Beneficiente Hospital Universitário da Unimar (ABHU).

É importante deixar claro que a cirurgia bariátrica é realizada somente mediante indicação médica. O paciente deve procurar o serviço de atenção básica, como por exemplo, as UBSs, que farão a avaliação inicial e o encaminhamento necessário. Os pacientes que possuem necessidade de cirurgia são encaminhados via municípios para a Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross), que faz a regulação dos pacientes para as unidades, de acordo com a gravidade de cada caso.

Cabe lembrar que, geralmente, o paciente com obesidade possui restrições e doenças que dificultam a realização das cirurgias, como por exemplo, diabetes e hipertensão. Sendo assim, nem todos com indicação médica para cirurgia bariátrica estão efetivamente aptos a fazer o procedimento imediatamente, por questões de quadro clínico geral não favorável.

Além disso, há um período comprobatório, no qual o quadro do paciente é analisado para verificar se o procedimento em si é o mais indicado para o paciente. A cirurgia bariátrica é o último recurso utilizado no tratamento, que inclui um suporte ambulatorial e multiprofissional (cardiologistas, nutricionistas, endocrinologistas, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros).

A realização de cirurgias bariátricas cresceu 48,5% entre os anos de 2008 e 2017, no SUS paulista. Neste período foram realizados mais de 14,9 mil procedimentos no Estado. Em 2016, foram realizadas 1.753 cirurgias bariátricas no Estado. Apenas no ano de 2017 foram realizadas cerca de 1,6 mil cirurgias, sendo cerca de 80% de pacientes do sexo feminino.

 

Nota do município:

A Secretaria Municipal da Saúde de Marília informa que a obesidade, enquanto demanda de Saúde Pública, está sendo discutida e contemplada regionalmente pelo Grupo de Trabalho da Linha de Cuidado do Sobrepeso/Obesidade – DRS IX – Marília.

O município de Marília mantém disponível a rede básica de saúde para orientação aos usuários, visando a mudança de hábitos para o controle da obesidade. A minoria absoluta dos casos tem indicação cirúrgica.

É importante esclarecer que a cirurgia bariátrica é a última alternativa do tratamento da obesidade, quando os demais recursos terapêuticos se mostraram ineficazes. A cirurgia só poderá ser realizada em pacientes que perderam 10 a 20% do peso, estando em acompanhamento médico, psicológico, nutricional, entre outras especialidades.

A Secretaria Municipal da Saúde empreende esforços em duas frentes principais: ampliar a oferta de vagas para atendimento especializado (conforme acima mencionado) e obter junto a DRS IX as vagas necessárias para os pacientes com critérios para cirurgia.

 



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