Mais um Ninguém nasceu em Lugar Nenhum.
Deram o nome de Zé.
Zé Ninguém era filho de pais operários. Talvez um pouco otários. Pais que não tinham tempo para sonhar. Pais que trabalhavam o dia inteiro para poder comer. Para sobreviver. E, com dinheiro da poupança, comprar aquele novo DVD que está à venda no camelô. Enfim poder assistir os filmes piratas em alta qualidade. Poderia faltar um arroz, mas aquele ator internacional os encantava de noite. Sempre depois da novela.
Ninguém cresceu e teve que ir para escola.
Gostava de Lucia e não de Maria.
Lucia é rica, bonita e carismática. Parece atriz de propaganda de produto infantil. Sua mãe sempre vai buscá-la na escola. Pública, pois sua série não havia na particular. O seu pai sempre a beija ao dormir. Filha única. Únicos presentes. Tinha tudo que toda criança tem o direito de ter. Seu pai era dono de uma indústria de bebidas e queria ser como ele. Só não conseguia entender porque tinha que dar uma parte de seu dinheiro para o banco. Imposto, ela ouvia. Não gostava nada daquela palavra.
Lucia tinha muitos amigos.
Nenhuma menina gostava de Lucia.
O seu melhor amigo, Pedro, era filho de um policial. Não gostava muito dele. Achava muito rude. E não era para menos. O pai de Pedro vivia na corporação, quase não tinha tempo para a família. Corria risco de morte a cada hora de trabalho. E no fim do mês receberia sua recompensa por viver em perigo. Preferia ser corrupto como seus colegas, porém se era para morrer, que morresse honesto. Um exemplo para seu filho. Que assistia na televisão policiais agredindo estudantes, protestantes, pobres, e assistia em casa seu pai triste em mais um velório de um amigo. Policia, ame ou odeie. A sua segurança vale o que eles recebem.
Pedro não era filho único.
Tinha um irmão. Um irmão casado com Deus.
Jesus, que não era Cristo por implicância do pai, era professor num monastério não muito longe dali. Rostos jovens, jovens sem rosto. Todos servindo a um Deus. O melhor Deus de todas as religiões. O católico, o correto. O pai de Jesus. A sua fé era inabalável, mas não confiava nos homens. Nem quando usavam frade. Por experiência própria, sabe que aqueles homens não são mensageiros de Deus nem no Inferno. São apenas homens, e alguns eram monstros. Já viu religioso abusando de crianças, outros roubando os fiéis, outros com intrigas, outros com inveja. Cada um tinha seu defeito, como qualquer homem. Sempre usando Deus em ganho próprio, seja financeiro ou na ideologia.
Jesus tinha uma paixão secreta por Madalena.
Madalena não sabia quem era Jesus.
Freira por imposição da mãe beata, Madalena passa o tempo no convento apenas para passar o tempo. Pai governador, sabia que estava perdendo sua vida naquela prisão. Seu pai era indiferente a aquela situação. Mas não tinha muito tempo para se preocupar com isso. Vivia em vários lugares. Com projetos ou sem projetos, parecia estar sempre em campanha política. O estado continua o mesmo até depois de sua reeleição. Salários baixos, impostos altos. Porém isso não o afetava. Sonegava tudo. Nunca irá preso, disso tinha certeza. Habeas Corpus era música para seus ouvidos. Via de longe como tudo funcionava. Os pobres geravam toda a riqueza, porém são os que menos têm direito a ela. Os ricos pagavam seus impostos, e se não pagassem mandava a polícia fazer uma visita. Enquanto sua esposa era enrolada pelo Padre na missa de domingo, ele viajava para casa da amante. Vida melhor não há. Dinheiro é poder e poder é ter dinheiro.
Dinheiro não tem sentimento. Mesmo assim ele é muito importante.
Dinheiro divide, dinheiro classifica. Você é o que você tem. E para ser, compre primeiro.
Mostre-me sua nota e será meu amigo. Mostre-me sua maleta e serei seu amigo.
E quando não restar mais nada ao nosso redor. Aprenderemos sua insignificância. Mesmo em Lugar Nenhum.
Por: Guilherme Augusto